Alice é uma menina sonhadora e sensível que passeava à noite no mundo encantado de seus sonhos, onde constantemente se deparava com um coelho que estava sempre atrasado, com uma lagarta que filosofava, um gato falante e sábio, uma rainha que gostava de cortar cabeças, um chapeleiro maluco que a levava para um chá e com tantos outros espíritos revolucionários que faziam Alice ter plena certeza que estava louca. Entretanto, em uma noite qualquer seu sonho parecia tangível, real e ela caminhava através do estranho coelho quando mergulhou de cabeça em um buraco que parecia sem fim, mas a levaria ao encontro de si mesma.
Assim, em meio à uma queda grandiosa e psicodélica, Alice se deparou com portas gigantes como suas ilusões, mas que diminuíam como suas certezas em meio a polaridade da vida e de tudo que ela traz.
Alice então percebeu, em um primeiro momento, que devia se adaptar para sobreviver em meio ao caos. E tudo parecia caos. Contudo, ao olhar em volta e reajustar suas percepções, Alice percebeu que o que parecia ser o fim, na verdade era um novo começo.
Alice se entrega e admira a paisagem, quando de repente encontra a lagarta filósofa que lhe instiga a pensar sobre a transformação de si mesma e de tudo que a rodeia. Será mesmo que esta questão de tamanho só envolve aumentar e diminuir fisicamente? Ou nos sentimos maiores ou menores de acordo com aquilo que pensamos sobre nós mesmos, em consonância com o juízo que o outro tem de nós, e ainda do tamanho que a vida nos faz ficar em razão de nossas conquistas ou dissabores? Será mesmo que conseguimos controlar o ego, a vaidade, a humildade, o aprendizado e todo o mundo de sensações que habita dentro de nós? Temos êxito nesse equilíbrio ou somos meros desconhecidos de nós mesmos agindo juntamente com as circunstâncias, reagindo muitas vezes, nos iludindo tantas outras, sem saber ao menos para onde estamos indo, como quando Alice mergulha no buraco.
Talvez o buraco de Alice seja a própria vida, seus percalços e desafios. Sua dicotomia. Seus desafios e degraus. Tristezas e alegrias. Sol e Lua. Dia e Noite. Chuva e Sol. Lágrimas e Sorrisos. Sombras e Luzes. O buraco de Alice é cada uma de nós percorrendo a própria existência e descobrindo a si mesmas, nos vendo uma nas outras como espelho a refletir tudo aquilo que gostamos e o que não queremos enxergar, mas está lá. Nu e cru. Batendo na cara da existência e dizendo que é preciso enfrentar. E superar. E transmutar. E crescer. E subir de degrau. Não há como fugir, nem disfarçar. A lição nos perseguirá até que seja aprendida.
E quando tudo parecia confuso Alice escuta uma voz doce e misteriosa. E aí vem o Gato. Um gato maluco que fala e cria filosofias. Alice logo descobre que gatos e filosofias são uma mistura que dá certo. Já que os gatos entendem sobre a vida e sabem dos mistérios da existência. E para descobrir tal segredo é preciso saber ler o gato. O que vai acontecer entre um ronronar e outro. Uma espreguiçada aqui, uma boa comida ali, um bom banho e um colo confortável. Porque a vida é assim, descomplicada. E pode ser desvendada com um olhar profundo e um desenrolar de cauda. Nada mais.
Ah, Alice... mas, nem tudo é beleza e mistério. Em um mundo com cartas de baralhos sentinelas e uma rainha de copa que sobrevive de seu desejo de verem cabeças rolarem é imprescindível que saiba discernir o bem e o mal, assim como o bom e o ruim. Nem tudo são flores. Nem todos se entregam a si mesmos. Nem todos são amigos. Os sentimentos não são todos belos e a maioria não quer o seu bem. E isso, nada mais é do que um dos caminhos da vida. Contudo, não é a escolha de Alice. Sua opção é não aceitar e aprender a lidar com a cortadora de cabeças, porque onde a luz chegar as trevas lutarão por sua permanência. E isso é algo mais com que Alice deve aprender a lidar, sem se deixar contaminar. E aprender. E crescer. Alice aprende com a própria sombra: tenta passar por tudo, sem se deixar contaminar com nada. Alice aprende a alinhar palavras e atitudes.
E a jornada de Alice segue. O ponto alto da batalha fica por conta de sua luta com o Jaguadarte, um animal surreal e grandioso que jamais fora derrotado, todavia, sempre esteve lá nos sonhos de Alice a fim de lembrá-la que um dia o confronto seria inevitável. E Alice finalmente se depara com o momento derradeiro. Ela afirma que não consegue. Ainda há mais para descobrir. Sempre haverá.
Será o Jaguadarte apenas a materialização das sombras de Alice e tudo aquilo que ela deve enfrentar dentro de si mesma? Algo tão profundo que existe dentro dela que talvez nem ela saiba. Seus medos, traumas, loucuras, ilusões, incompreensões, abandonos, imperfeições.
E Alice não foge à batalha e vence. Alice triunfa sobre si mesma. Alice recorda das palavras do gato falante: "vou te contar um segredo: as melhores pessoas são loucas". Alice sorri. É verdade. Normal é aquele que se apega aos detalhes, disfarça a existência, se apega às ilusões e utopias da estrada, querendo se enquadrar em um mundo que exigirá tudo, mas nada nunca será o bastante.
Louca Alice! Louca! Enfrenta tudo. Olha para si mesma e enxerga a saída do buraco. Oh! Alice, nunca terá saído do lugar?
Alice reflete. É preciso sair de si, mudar de ares para encontrar a si mesma? Não Alice. A vida toda está dentro de ti. Todos os mistérios do Universo. Desde o céu estrelado até o intangível buraco negro. Tudo é Alice. Tudo é vida. Tudo é aprendizado. Tudo é amor. Transmutação. Energia. Vida. Morte. Flores. Sorrisos. Evolução.
Quantas Alices se encontram e se unem nessa dança sem fim que nos convida a entrelaçar nossos passos, mesmo caindo, errando, tropeçando, sorrindo, bailando de todas e incontáveis formas que nos conduzirão à música que nos fará entender a essência, o mistério da vida. É preciso se entregar.
Alices, tantas Alices. Chegamos no País da Consciência. E aqui somos tantas e somo uma. A mesma alegria, o mesmo medo, a mesma felicidade e o desejo de evolução. De diferentes formas. Desejo profundo transformado em atitudes que nos impulsionam ao crescimento real.
E então Alice realizará o seu voo de Fênix. Das cinzas renascerá. E finalmente descobrirá o segredo de si mesma, a caixa de Pandora do Universo e sorrirá, e com um leve ronronar balançará a cabeça tomando uma xícara de chá e filosofará: Ah, a simplicidade da vida. Singela como uma lagarta que filosofa e descomplicada como o viver do gato.
Entregue-se.
Liberte-se.
Somos todos um.
Boa viagem.